quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Carta a Obama

Rio de Janeiro, 6 de Agosto de 2009

Ao Excelentíssimo Senhor
Presidente dos Estados Unidos da América
Sr. Barack Obama

Escrevo a Vossa Excelência do Rio de Janeiro, num dia um pouco cinzento, natural do inverno em meu hemisfério. Há alguns tiroteios, algumas mortes pela gripe atual e umas tragédias cotidianas de uma típica cidade subdesenvolvida. Tirante isto, tudo vai bem.
Saúdo Vossa Excelência e a honrosa Secretária de Estado, Hillary Clinton, pela corajosa iniciativa de universalizar a saúde em vosso país, vide que será um grande passo para a reconciliação Estado-povo em séculos de História dos Estados Unidos. Não amoleça, continue insistindo, ainda que o lobby das seguradoras de saúde force o congresso a recuar.
Peço a Vossa Excelência que, da forma que julgar melhor, ponha um pacificador como delegado na ONU, para que o prestígio dos Estados Unidos da América perante a comunidade internacional se fortaleça depois de oito anos de um período sombrio, no qual cresci e me formei.
Sinalize permanentemente que vosso país quer abrir diálogo com Cuba, Coréia do Norte, Irã e Venezuela. A coexistência pacífica deve ser inevitável e irreversível, e neste quesito o Brasil pode entrar como mediador, por motivos que Vossa Excelência deve saber por meio de diplomatas aqui residentes.
Saudações à sua senhora, corajosa e equilibrada mulher.
Espero Vossa Excelência para um chopp em Ipanema.
Saúde a Vossa Excelência e toda a família.

Atenciosamente,

Guilherme de Carvalho.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Casos de família e outros

Não consigo mais ver televisão sem rir de cinco em cinco segundos. O problema não está de todo numa programação humorística, que nem tanto ela é, mas sobretudo nos telejornais e programas de auditório. Os jornalistas estão cada dia mais esgotados para mim, porque eu já notei todas (ou quase todas) as manhas.

A velhinha está com cara de sofrimento, saindo do hospital Miguel Couto, com a cabeça enfaixada, e a repórter pergunta:

- Tá sendo difícil pra senhora esperar doze horas para ser atendida?

O que ela espera que a velhinha responda?


- Não, tá bom pra caralho, eu gosto de esperar. Faço palavras cruzadas. Hoje meu colega de fila me ensinou até Sudoku, pois é professor de matemática aposentado do município.

Eu me divirto pensando nessas respostas não-dadas a perguntas óbvias.


Outro dia, numa maratona, um senhor de setenta e dois anos cruzou a linha de chegada. Perguntaram, ao vivo:

- O senhor tá feliz de ter chegado até ao final da maratona?

- Porra!, odiei, aliás, deixa eu fazer uma reclamação aqui ao vivo. Vai todo mundo tomar no cu, entendeu?! Eu odeio correr, e chegar até a linha de chegada é uma humilhação tremenda!

Eu me divirto. Eu me divirto muito.

Nos programas de auditório vespertinos, é ainda melhor. Exploração do problema alheio para fins televisivos, mas eu não me canso de ver. É ótimo. Muito melhor que Casseta e Planeta, Toma Lá Dá Cá etc. É muito melhor.

Tá bom, tá bom, vou contar só mais uma.

“Tudo bem, seu marido te traiu com a sua cunhada, molestou sua filha, é alcoólatra, até já te bateu. Mas você não acha que uma família unida vem em primeiro lugar?”

Olhei para os lados... Não tinha uma mísera alma para eu falar: eu tô maluco, ou essa loira cheia de botox disse isso aí mesmo?

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bar ruim é lindo, bicho


Podem me chamar de reacionariozinho, mas eu mesmo me cansei de mim mesmo, quando eu era um pobre universitário representante da classe operária. Cansei-me disso. E acabei me lembrando de tanta gente mais velha que me dissera: calma, essa coisa de revolução armada vai passar, e não tem nada a ver com a situação política do Brasil. Por isso, minha crônica de hoje vem em partes e apoiada.

Lendo aleatoriamente o livro As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, oriunda da organização de Joaquim Ferreira dos Santos, deparei-me com a última crônica do livro, escrita por Antonio Prata, intitulada Bar ruim é lindo, bicho. Ei-la:


Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

sábado, 1 de agosto de 2009

O dia em que li Cidade de Deus

Leio com afinco o romance de Paulo Lins, Cidade de Deus. Não é o filme, não é o bairro, que não conheço, é outra espécie de viagem, outro tipo de encarnação literária. É algo que permanece num estado de tempo que não conhecemos. Estado, tempo, fotografia – são palavras estranhas que juntas talvez façam algum sentido no momento da leitura.
Estou doze anos atrasado numa consideração sobre Cidade de Deus, o romance-poema de Paulo Lins, adaptado para o cinema pelas mãos e olhos atentos de Fernando Meirelles. Qualquer interferência crítica só poderá ter efeito em meus contemporâneos que não leram o livro. E, de qualquer modo, nem ainda acabei de ler o primeiro capítulo. E já basta. Há livros que não merecerão ao menos a leitura da primeira linha, sob pena de ficarem esquecidos nos piores sebos da cidade – jamais queimados, vejam bem, jamais queimados.
O olfato é o sentido que me guia pelo livro. É o cheiro das vielas podres, dos campos de barro, do sangue, dos anos setenta, dos anos oitenta, cheiro de ditadura, cheiro de Brasil, o cheiro que queremos apagar com perfumes importados comprados em zona livre de aeroportos. A capa da minha edição, que exponho aqui, é a de um barracão saltando aos olhos, abrindo caminho por entre as lacunas da memória e da imaginação. Somente um incômodo: inevitavelmente desenhamos em nossa cabeça os personagens como são os atores da película. Paciência. Mas, ainda assim, uma delícia. E digo mais, para logo terminar esta pendenga: depois de ler Os Sertões, Grande Sertão: Veredas, Abusado, Elite da Tropa, e Meu Casaco de General, ponho as minhas Itaipavas para gelar, minha tacinha da Bohemia e foda-se, só sendo um pouco burguês e um tanto bêbado para encarar mais um soco no estômago. Cidade de Deus é aquele livro que o carioca lê como se fosse um discípulo da Opus Dei, e, então, acho que me fiz entender. Ou não?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Repeteco Tupiniquim

Será que depois da foto de quarta-feira no jornal O Globo, alguém ainda tem coragem de ser lulista? (Esqueci-me, brasileiro tem memória fraca.) Para refrescar a memória daqueles que não lembram, a foto estampada era a de um Collor extasiado, gozando mesmo, e um Lula no auge da loucura. Pareciam dois internos do hospício de Botafogo.
É engraçado eu estar escrevendo sobre isso, pois tenho exatamente a idade do confronto Lula X Collor nas presidenciais de 1989. Poderiam dizer: mas seu moleque, você não tem nada a ver com isso, nem era vivo para ver o que aconteceu. Sim, mas eu também não estive nos grandes genocídios do século XX para acusar os culpados, excluindo-se, claro, os genocídios dos balcãs e da África subsaariana na década de noventa. Logo, posso afirmar sim que, simbolicamente, a foto dos dois presidentes juntinhos, unidinhos, feito amigos de longa data, marca o fim do governo Lula e aponta claramente para uma eleição de oposição. Quem pode dizer que não? É claro que não será exatamente por isso, pragmaticamente, que o PT perderá a eleição, porém de forma simbólica é o fim.
Podemos até discursar sobre os fundamentos disso. Nos últimos anos, sabe-se muito bem, todo governo vê seu circo desmoronar no final do mandato. No caso, desde FHC, ocorre uma ascendência moral que descamba para o caos no fim do segundo mandato. Acontece de certa forma um movimento pendular que faz eleger-se oposição, quer dizer, é um movimento que remonta à infra-estrutura política da monarquia. E não pára.
Quando Lula abraça Collor (atentem para os simbolismos!), ele abraça a governabilidade de um governo oligarca, mesquinho, retrógrado, que não tem nada que ver com o jogo verdadeiramente liberal e democrata. Lembrem-se disso: no Brasil, a “governabilidade” significa “o que teremos que fazer para que esta merda a que chamamos de governo não desmonte?” E que pesem aí alianças das mais diversas, sem o mínimo caráter ideológico, moral. É a lógica do vale-tudo na orgia da política. A estrutura do Estado brasileiro nos leva a governos autoritários, perdidos, assistencialistas, a congressos vendidos e a uma máquina que sempre está ultrapassada.
Não será a primeira vez em que uma foto dessa ocorrerá. Guardem bem as minhas palavras. A próxima, provavelmente, será de Eduardo Paes e ACM Neto, ou Rodrigo Maia, o que dá no mesmo – como queremos demonstrar.
(Guilherme de Carvalho)